Por Vítor Noé*

 

No Brasil, o dia 1º de maio foi declarado feriado pelo presidente.

Nos últimos anos, percebeu-se que o Dia do Trabalho passou a representar uma data destinada a mais um feriado nacional, sem que  a classe trabalhadora efetivamente refletisse sobre o seu papel dentro do contexto político e econômico do País, salvo exceções, perdendo sua efetiva razão de existir enquanto data destinada a reivindicar a pro- moção de melhores condições de trabalho à classe, sem uma massiva adesão da sociedade em prol da causa social.

Contudo, considerando que são nos momentos difíceis que são adotadas posturas diferentes àquelas que outrora se apresentavam como   sendo Trabalho), tendo como centralidade a ilegítima e criticável proposta de Reforma Trabalhista (PL 6.787/2016), a qual foi aprovada na Câmara dos Deputados Federais a “toque de caixa”, em regime de urgência que não se fundamenta e muito menos se sustenta e, agora, tramita no Senado Federal (PLC 38/2017).

Mas diante de todo o esforço demandado para aprovar a já alcunhada“Deforma Trabalhista”, indaga-se: qual a influência ideológica que norteia a Reforma Trabalhista proposta? Qual seria a reação da classe trabalhadora, frente a estes ataques? Há reais motivos para comemorar o dia do trabalho?

Pois bem.

O Direito do Trabalho, em sua gênese, apresentou-se como uma resposta normativa para uma consciência social que  transcendia o conceito de “questão social” sob o ponto de vista exclusivamente moral, para o fim de trata-la sob a perspectiva de “justiça social”, aceitando a intervenção do Estado em relações originariamente privadas, bem como promovendo a possibilidade de que os trabalhadores, também, fizessem fazer valer sua força política, contribuindo para a democratização da sociedade, dando força material a princípios formais que impulsionaram as revoluções burguesas no ocidente 1, as quais não contemplavam a classe operária emergente, a exemplo dos princípios que nortearam a revolução francesa de liberdade, fraternidade e igualdade.

A falência do socialismo burocrático e a diluição do Estado do Bem-Estar (Wellfere State), com a prevalência hegemônica da ideologia neoliberal 2, a qual instituiu a lógica do mercado, resultou no sufocamento do direito do trabalho e da “idéia do direito”, semelhantemente ao que ocorreu em 1789, contudo, sucumbindo a outra força  igualmente  poderosa  que opera na sociedade capitalista hodierna, qual seja, a globalização econômica tutelada pelo capital, onde o capital financeiro atua como força externa macro reguladora do Direito dos Estados Nacionais.

Esta força normativa reinante impõe uma crise na tradicional separação entre público e privado, de forma muito intensa, através da privatização do Estado sob o conhecido discurso de “enxugamento da máquina administrativa” e “modernização da produção”, comandando as políticas dos Estados Nacionais dos países subdesenvolvidos, as quais obedecem aos comandos dos Bancos Centrais dos países ricos, passando a privatizar indiscriminadamente atividades que antes eram exclusivamente dos Estados, em razão do interesse público a ela inerentes, constituindo monopólio privado de tais atividades.

Neste contexto, as relações de trabalho sofrem profundas alterações na forma de exploração do trabalho humano, passando o direito do trabalho a ser visto quando se iniciaram os cortes orçamentários na saúde, na educação e nas políticas mais sociais3.

As investidas neoliberais chegam ao seu ápice no Brasil no Governo de Fernando Henrique Cardoso, cujo discurso ideológico era no sentido de que “a globalização está multiplicando a riqueza e desencadeando forças produtivas numa escala sem precedentes. Tornou universais valores como a democracia e a liberdade.

Envolve diversos processos simultâneos: a difusão internacional da notícia, redes como a internet, o tratamento internacional de temas como o meio ambiente e direitos humanos e a integração econômica global.4”

Contudo, paradoxalmente a expectativa fomentada pelo discurso neoliberal, no período do Governo FHC o desemprego se manteve instável 5, inspirando o trabalho informal e a rotatividade da mão de obra, fruto da destruição de postos de trabalho decorrente da reestruturação produtiva das empresas a partir da abertura comercial iniciada em 1990, privatização de mercadoria e serviços, além da desregulamentação do mercado de trabalho com redução de gastos sociais do Estado.

Neste período, estimulou-se a desregulamentação dos contratos trabalhistas e a concorrência entre empresas nacionais e estrangeiras, e, paradoxalmente, propôs-se a redução de investimentos sociais, de interesse precípuo da classe trabalhadora, como educação, saúde, previdência e regulação do mercado de trabalho.

Como entrave para um suposto desenvolvimento econômica, motivado pelo absurdo crescimento da acumulação de riquezas sem trabalho e do trabalho sem estabilidade social, ou seja, o direito do trabalho passa a ser visto como um obstáculo ou, no mínimo, uma regulação supérflua.

No Brasil, a implementação da lógica neoliberal se dá a partir da adesão ao denominado consenso de Washington, em 1989, quando passa a se submeter as imposições do Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento, quando se iniciaram os cortes orçamentários na saúde, na educação e nas políticas mais sociais3.

As investidas neoliberais chegam ao seu ápice no Brasil no Governo de Fernando Henrique Cardoso, cujo discurso ideológico era no sentido de que “a globalização está multiplicando a riqueza e desencadeando for- ças produtivas numa escala sem precedentes. Tornou uni- versais valores como a democracia e a liberdade. Envolve diversos processos simultâneos: a difusão internacional da notícia, redes como a internet, o tratamento internacional de temas como o meio ambiente e direitos humanos e a integração econômica global.4”

Contudo, paradoxalmente a expectativa fomentada pelo discurso neoliberal, no período do Governo FHC o desemprego se manteve instável 5, inspirando o trabalho informal e a rotatividade da mão de obra, fruto da destruição de postos de trabalho decorrente da reestruturação produtiva das empresas a partir da abertura comercial iniciada em 1990, privatização de mercadoria e serviços, além da desregulamentação do mercado de trabalho com redução de gastos sociais do Estado.

Neste período, estimulou-se a desregulamentação dos contratos trabalhistas e a concorrência entre empresas nacionais e estrangeiras, e, paradoxalmente, propôs-se a redução de investimentos sociais, de interesse precípuo da classe trabalhadora, como educação, saúde, previdência e regulação do mercado de trabalho.

No Governo FHC, importantes conquistas dos trabalhadores sofreram retrocessos, as quais foram auferidas por intermédio de vários expedientes legislativos, dentre as quais podemos elencar:

  • Portaria 865, de setembro de 1995. Impediu a autuação das empresas por desrespeito às convenções e  acordos  trabalhistas.  Ao  invés  de
    multa, determinou que os fiscais apenas registrem a ocorrência de práticas ilegais;
  • Decreto 2.100, de dezembro de 1996. O governo denunciou a Convenção 158 da OIT, retirando do direito brasileiro a norma mundial que limita a demissão imotivada ou de- núncia vazia do contrato;
  • MP no 1.539, convertida na  Lei  no 10.101. Reeditada desde final de 1994, instituiu a Participação nos Lucros e Resultados. A PLR não é incorporada aos salários e benefícios, sendo um meio eficaz de flexibilização da remuneração. Permitiu ainda o trabalho dos comerciários aos domingos;
  • Lei no 9.601, de 1998. Aprovada em dezembro de 1997, criou o “contrato por tempo determinado”, o famoso “contrato temporário”. Ela também permitiu a jornada semanal   superior às 44 horas previstas na Constituição sem o paga- mento das horas-extras, instituindo o “banco de horas”.
  • MP no 1.709, renumerada para 1.779 e 2.168. Vigorando desde 1998, instituiu o contrato parcial de trabalho, permitindo a jornada semanal de no máximo 25 horas, com redução proporcional do salário e do tempo das férias – que pode ser de oito dias;
  • MP no 1.726, de 1998. Instituiu a “demissão temporária”, com suspensão do contrato de trabalho por cinco meses. Neste período, o “demitido” recebe o seguro-desemprego, custeado pelo FAT, um fundo público oriundo das contribuições dos assalariados6. Nesta esteira, a Professora e advogada trabalhista Benizete Ramos de Medeiros, assevera que “Para sus- tentação dessa filosofia, os neoliberais apontavam, como os culpados pela crise econômica e alta inflação, o poder sindical e os movimentos operários, com as reivindicações de melhoras. Com isso, a única alternativa defensável era a do Estado mínimo em face dos direitos sociais e trabalhistas e, passivo em face dos lucros e da lei de mercado. Portanto, o modelo adotado, com efeito, foram as privatizações, a desregulamentação dos mercados, a descentralização, a flexibilização dos direitos trabalhistas, a globalização por blocos transnacionais. E, como se vê, a história se repete.”

Não bastasse a redução de direitos trabalhistas, seguindo a lógica neoliberal, a própria Justiça do Trabalho não ficou imune aos ataques, o que foi realizado por intermédio da Proposta de  Emenda

Constitucional n. 96-A, de autoria do Deputado Helio Bicudo (PT), no ano de 1992, cujo relator designado foi o Senador Paulo Souto (PFL/BA), cujo argumento principal a defender a extinção da Justiça Laboral, residia nos gastos excessivos com o seu custeio 7, ataque este que restou frustrado com a ampliação da competência da justiça do trabalho através da Emenda Constitucional n. 45, que alterou o Art. 114, da Constituição da Republica.

É neste contexto político e ideológico, que podemos afirmar que, nos dias atuais, as propostas de desmantela- mento do direito do trabalho e da justiça do trabalho por parte dos seus detratores, que encontra eco em um congresso descompromissado com a justiça social e com o bem estar da esmagadora maio- ria da população brasileira, nada mais é do  que  o  futuro  repetindo  o passado, um verdadeiro museu que não contém novidades.

Em 23-12-2016, foi encaminhado a Câmara de Deputados Federais o Projeto de Lei n. 6.787/2016,  de autoria do Poder Executivo, que fora batizado de Reforma Trabalhista, contendo proposta de altera- ção de 07 (sete) artigos da  CLT,  contendo somente  09 (nove) páginas. 8.

O objetivo precípuo do aludido projeto, de acordo com seus autores, consistia, segundo sua justificação, em “aprimorar as relações do trabalho no Brasil, por meio da valorização da negociação coletiva entre trabalhadores e empregadores, atualizar os  mecanismos de combate à informalidade da mão-de-obra no país, regulamentar o art. 11 da Constituição Federal, que assegura a eleição de representante dos trabalhadores na empresa, para promover-lhes o  entendimento direto com os empregadores, e atualizar a Lei n.º 6.019, de 1974, que trata do trabalho temporário”.

Após rápida tramitação do referido PL 6.787/2016, em 11-04-2017, o Relator designado, Deputado Rogério Marinho (PSDB/RN), apresentou substitutivo com a proposição de alteração de mais de 100 (cem) dispositivos, defendendo em seu relatório9 um verdadeiro desmonte ao Direito e a Justiça do Trabalho.

Mas, para além de críticas amplamente realiza- das ao nefasto projeto de desmonte do direito e da justiça do trabalho, sem uma ampla discussão democrática com a sociedade em geral, atendendo anseios de uma seleta minoria do empresariado brasileiro, sob argumentos inverídicos e que tentam mascarar os objetivos mais escusos, há lições que sobrepujam o delicado momento amargamente vivenciado pela sociedade brasileira, especialmente, pela classe trabalhadora.

Digo isso, acerca dos efeitos colaterais que não eram esperados pelos mentores da já alcunhada“deforma trabalhista”, a saber: a união da classe trabalhadora em prol dos mesmos objetivos; a mobilização popular daqueles que pensam, agem e transpiram  em  busca do bem coletivo; o início de um debate que desafia a todos àqueles que adotaram posições,  seja  favorável ou contrária ao PL 6.787/2016, a se inteirar, ainda que minimamente, sobre o teor da discussão e os efeitos desejados ou não pela proposta de reforma trabalhista, o que podem leva-los a se tornarem “donos de suas próprias existências”.

Pode-se cogitar, ainda que de maneira muito real, devido experiências passadas e internacionais, qual será o triste fim de toda a celeuma que envolve o mudo do trabalho atualmente e a onda “flexibilizadora” instaurada, contudo, verdadeiramente, não temos a convicção sobre o futuro que nos espera quanto a esta matéria, mas de uma coisa sabemos: podem retirar o direito, mas não retirarão a capacidade de irresignação daqueles que vivem e agem em busca de dias melhores; “Pode-se enganar a todos por algum tempo; pode-se enganar alguns por todo o tempo; mas não se pode enganar a todos todo o tempo…” (Abraham Lincoln)

Assim, pode-se afirmar, sem qualquer medo de errar, que se o intento era fragilizar àqueles que vivem do próprio trabalho ou de retaliar desvios de condutas daqueles que representavam politicamente esta classe, aviso aos navegantes: EXISTEM EFEITOS COLATERAIS NÃO CALCULADOS.

Esses efeitos colaterais é que nos nutre a esperança. Esperança de união da classe trabalhadora, da solidariedade daqueles que carregam valores humanistas e transcendentais como missão de vida e, finalmente, de que um povo ou uma classe, outrora alienada por meios de comunicação de massa, comece a entender que o Brasil não tem lado, mas direção, a qual jamais pode su- plantar o ser humano, que é a razão da existência precípua de todas as coisas terrenas.

Aos advogados e advogadas trabalhistas brasileiros, fica a lição de Edésio Passos, como bússola a nor- tear nossa atuação frente a sociedade, em tempos de intolerância e de alienação, qual seja:

“O que mais me orgulho da profissão que escolhi é que todos os atos que participei nesta condição resultaram na construção de uma vida melhor para milhares de trabalhadores e trabalhadoras. Os que não tinham voz, se fizeram ouvidos. Os que foram injustiçados, conseguiram alguma reparação; os que foram perseguidos, resgataram suas liberdades; os que estavam necessitados, obtiveram algum ganho. Mas o que foi e é mais importante: ajudei que aprendessem a ser donos de suas próprias existências”.

*Vice-presidente ABRAT Norte Advogado Trabalhista